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Quando se trata de sonho, basta empatar

Lembranças da Copa da Espanha
O menino já estava prestes a completar 17 anos. O mundo chegava ao mesmo tempo... aquelas espinhas no rosto, vestibular, cursinho, a rapaziada da rua, a menina linda... o trabalho como office-boy, o mundo pop!... No caderno havia escrito “Michel Jackson, o maior cantor de todos os tempos...”... e veio a Copa!... Sim, com todos seus apelos e sonhos, de conquistas e vitórias, e outros valores mais... Ainda nas eliminatórias, chegou em casa mais cedo, apesar do ônibus, do cansaço... E a poucos minutos do jogo, nas chamadas comerciais da TV...  se deleitou com as imagens de cerveja e futebol... e lembrou de sair pra comprar cerveja e cigarros... Vitória fantástica do Brasil... Estávamos a caminho do Tetra!...

Michel Jackson, rei do pop, anos 80'!

A rua foi se animando aos poucos... crianças, adultos, a turma, todos queriam enfeitá-la, haveria festa junina e, afinal, Copa só acontece de quatro em quatro anos... O tricampeonato ainda estava latente na alma de todos... apesar de não ter tal lembrança, se alimentava dos relatos e da memória de muitos heróis que ainda viu jogar, Tostão, Rivelino, Jairzinho... Nas rádios, TV, publicidade, jornais, revistas, a vida era a Copa... a política respirava a volta da democracia e o país se enchia de verde e amarelo... dessa vez,... do povo... Seria uma festa só...

Em 82, o verde e amarelo estava voltando às ruas, dessa vez por meio do povo. Durante a Copa houve um movimento muito interessante em favor do uso da bandeira.

E começou a Copa... o primeiro jogo... sofrido... avante, Brasil!... e veio o segundo, Vitória, dessa vez com samba!... Alegria, festa, carnaval!... a rua cheia... a rapaziada, a capoeira, música, a menina linda, inesquecível... aquele abraço. Nos bares,... gente e mais gente... era o Brasil,... o sonho do tetra...! Mas era também o fim do mês... o salário mínimo... a prestação do cursinho, o passe de ônibus, a conta de luz... não sobrava nada. Vai, Brasil, ganha essa copa... era só o que o menino pedia... e juntou a última grana que tinha...e pediu um pouco emprestado. O salário ia sair no dia seguinte ao jogo... tinha como pagar... e o Brasil tava fantástico, era certa a vitória. E como assistir ao jogo do Brasil sem a camisa verde e amarela? “Vou comprar... ” pensou.

A camisa da moda era a própria bandeira do Brasil. Na foto, o personagem Pacheco, do comercial de TV mais popular da época.

A camisa era simples... de lojão popular... inclusive era uma das últimas do balcão! Passava longe do desenho oficial, ou dos modelos da moda... mas tinha a marca da seleção... era amarelinha, bastava,... e a grana tava curta...  bom lembrar. Mas agora se sentia parte da torcida... tava bom demais a Copa... e na hora do gol... tava tudo pronto para o abraço...  Nada mais importava... Era o Brasil na cabeça... a camisa no peito... cerveja, suor, torcida... Gol!... era o Brasil na frente... e como foi bom aquele abraço... a menina linda tava do seu lado!... Gol!... como é bom ser brasileiro!... Outro Gol...dessa vez da Itália... como assim?... o nosso time era demais!... vai Brasil... pra frente Brasil... mesmo sabendo que o empate é seu... a gente quer é a vitória...!... Gol da Itália! Quem é Paulo Rossi..? Não... Não pode ser...  vai, Brasil... esse tetra é nosso... Empata, Brasil...!... O menino vestiu teu sonho pra te ver ganhar... lembra?... Mas acabou o jogo... perdemos. Como assim?... A Itália estava classificada. O Brasil perdeu.

A torcida alegre, emudeceu. Todos choravam, crianças, mães, pais, ... velhos e moços. Bandeirinhas foram arrancadas... no meio da rua foi se amontoando tudo que tinha a cor verde e amarela... recortes, fitas, restos de morteiros, bandeiras, fragmentos de um sonho... colocaram fogo... Viu de longe o choro da menina linda e alguém a consolar. Não demorou muito o menino tirou a camisa do Brasil e jogou na fogueira. Ficou a ver a amarelinha virar cinza e pó... Dia seguinte foi trabalhar. Era dia de pagamento. O dia estava triste, e em meio à fila, entre dezenas de trabalhadores, pensou, “não importaria, não mesmo, se não recebesse meu salário... Queria apenas a vitória do Brasil”. Desde esse dia nunca mais torceu.

Ao procurar imagens para ilustrar este post, descobri muitos links interessantes. Esse livro, fala um pouco desse dia triste para a seleção brasileira. Para conferir, clique aqui.

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